Apresentação


O presente blog foi idealizado para a dilvulgação de assuntos de interesse da comunidade de usuários dos serviços forenses da Vara Criminal da Comarca de Livramento e dos índices de produtividade de Juiz e servidores, ofertando maior transparência à atuação do Poder Judiciário e consolidando a interação com a comunidade local. Nessa perspectiva, espera-se que a iniciativa venha a se tornar mais uma ferramenta de informação a possibilitar a contínua reflexão, não apenas dos servidores e magistrados que labutam nesta Vara Criminal, mas de todo o universo formado por jurisdicionados, Advogados, Defensoria Pública, Ministério Público e demais órgãos que utilizam os serviços do Poder Judiciário nesta Comarca, objetivando a melhoria da prestação jurisdicional e a implementação, por meio de constante interação com a comunidade, de medidas de modernização administrativa e de humanização da Justiça Criminal.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Decisão do STJ determina trancamento de ação penal por posse irregular de arma de fogo registrada




Recente decisão da 5ª Turma do e. STJ, de Relatoria do Min. Marco Aurélio Bellize, em sede do HC n.º 294.078 – SP, considera mera irregularidade, a desafiar sanção administrativa, a posse de arma de fogo registrada originariamente, mas com seu registro no SINARM vencido, desconfigurando a situação em tela do tipo penal descrito no art. 12 da Lei n.º 10.826/2003.

Em apertado resumo, a decisão sustenta que é necessário aplicar uma interpretação racional e funcional da Lei n.º 10.826/03, sob o viés do princípio da intervenção mínima do direito penal, atenta às noções sistemáticas de tipicidade, é dizer: que os tipos penais possuem valoração, elementos normativos, havendo de se considerar o tipo penal também como indiciário de ilicitude (ratio cognoscendi) ou mesmo em sua acepção mais ampla como ratio essendi da antijuridicidade (veja-se as clássicas lições de Max Ernest Mayer e de Mezger). Assim considerando, na lição do Min. Marco Aurélio Bellize, a própria norma penal do art 12 da lei em comento exigiria à configuração do delito penal de posse ilegal de arma de arma de fogo que não basta a mera descrição objetiva da conduta para que se configure a tipicidade desta, mas que a conduta possa implicar, ao menos indiciariamente, em antijuridicidade (tipicidade material), quer dizer, que a conduta “atinja de forma socialmente relevante o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora”. Havendo prévio registro, em que pese vencido, permite ao Estado o controle sobre o armamento, logo a conduta de quem mantém a arma sob sua posse, perfectibiliza a tipicidade formal (descrição técnica do delito), mas não a tipicidade material (efetiva relevância da ação penal não mundo jurídico). Haveria, assim, mera irregularidade administrativa e não o crime do art. 12 da Lei n.º 10.826/03.

Merece destaque a afirmação constante do r. Acórdão:

Na hipótese, não vejo como a mera inobservância da exigência de recadastramento periódico possa conduzir à estigmatizadora e automática incriminação penal. Ora, cabe ao Estado apreender a arma e aplicar a punição administrativa pertinente. Agora, deflagrar uma ação penal para a imposição de pena tão somente porque o indivíduo – devidamente autorizado a possuir a arma pelo Poder Público, diga-se de passagem – deixou de ir de tempos em tempos efetuar o recadastramento do artefato, é fazer com que o Direito Penal esteja a serviço ou da má administração estatal – que permitiu a continuidade da posse por anos mesmo sem a regularização do registro – ou da burocracia – a qual exige com uma periodicidade absurda e desnecessária (no máximo em 3 anos - art. 5º, § 2º, da Lei n. 10.826/2003) que o cidadão arque com os custos da revalidação.

Segue Ementa do decisum:

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO COM O REGISTRO VENCIDO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL. PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA QUE SE MOSTRA SUFICIENTE. 3. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente – a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício –, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

2. O trancamento de ação penal na via estreita do writ configura medida de exceção, somente cabível nas hipóteses em que se demonstrar, à luz da evidência, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou outras situações comprováveis de plano, suficientes ao prematuro encerramento da persecução penal. Na espécie, o paciente foi denunciado pela suposta prática da conduta descrita no art. 12 da Lei n. 10.826/2003, por possuir irregularmente um revólver marca Taurus, calibre 38, número QK 591720, além de dezoito cartuchos de munição do mesmo calibre.

3. Todavia, no caso, a questão não pode extrapolar a esfera administrativa, uma vez que ausente a imprescindível tipicidade material, pois, constatado que o paciente detinha o devido registro da arma de fogo de uso permitido encontrada em sua residência – de forma que o Poder Público tinha completo conhecimento da posse do artefato em questão, podendo rastreá-lo se necessário –, inexiste ofensividade na conduta. A mera inobservância da exigência de recadastramento periódico não pode conduzir à estigmatizadora e automática incriminação penal. Cabe ao Estado apreender a arma e aplicar a punição administrativa pertinente, não estando em consonância com o Direito Penal moderno deflagrar uma ação penal para a imposição de pena tão somente porque o indivíduo – devidamente autorizado a possuir a arma pelo Poder Público, diga-se de passagem – deixou de ir de tempos em tempos efetuar o recadastramento do artefato. Portanto, até mesmo por questões de política criminal, não há como submeter o paciente às agruras de uma condenação penal por uma conduta que não apresentou nenhuma lesividade relevante aos bens jurídicos tutelados pela Lei n. 10.826/2003, não incrementou o risco e pode ser resolvida na via administrativa.

4. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, para extinguir a Ação Penal n. 0008206-42.2013.8.26.0068 movida em desfavor do paciente, ante a evidente falta de justa causa. (STJ. 5ª Turma. HC n.º 294.078 – SP. Rel. Min. Marco Aurélio Bellize. Julgado em 26.08.2014)




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