A Juíza de Direito da 3ª Vara Cível, especializada
em Família, Infância, Juventude e Sucessões, da
Comarca de Santana do Livramento, Dra. Carine Labres, autorizou, em
08 de maio de 2014, a retificação da certidão de
nascimento, para que conste o nome do pai biológico e do pai
socioafetivo, com quem sempre conviveu.
A criança foi registrada no nome do pai socioafetivo, sem o
consentimento e conhecimento do pai biológico. Após o
exame de DNA, o pai biológico passou a estreitar os laços
com o filho, inclusive com visitas e pagamento de pensão
alimentícia.
Oficialmente, a criança tem agora uma mãe, dois pais e
seis seis avós, sendo dois maternos e quatro paternos. O
processo corre em segredo de justiça.
A Juíza ponderou na sentença:
“Nesse escopo, debruçar o olhar conservador do direito registral sobre a questão importaria em desconstituir o vínculo jurídico formado entre Rafael e o pai registral, pois o registro civil deve espelhar a verdade dos fatos.
No entanto, tal raciocínio simplista não pode mais ser aceito pelos Operadores do Direito, eis que o afeto, verdadeiro laço formador de entidades familiares, deve balizar o desfecho de demandas de tal espécie. O Direito de Família contemporâneo não admite normas fechadas; ao contrário, exige uma visão aberta da entidade familiar como viés para realizações pessoais de seus integrantes, digna de compreensões metajurídicas.
O caso em análise revela situação excepcional a merecer tratamento especial e diferenciado pelo ordenamento jurídico, a fim de adequar ao mundo das lei uma realidade fática. É mister, pois, que seja investigada a existência de filiação consolidada por vínculo afetivo.
(…)
Em casos excepcionais, a maternidade ou a paternidade natural e a civil podem ser reconhecidas cumulativamente, coexistindo sem que uma exclua a outra, sendo denominada pela doutrina “multiparentalidade ou pluriparentalidade”.
Nesse ínterim, cumpre pontuar a evolução advinda da promulgação da Lei nº 11.924/2009 que autorizou o acréscimo do patronímico do padrasto ou madrasta no registro de nascimento.
(...)
No caso sub judice, a convivência, durante muitos anos (desde a gestação) com seu pai registral autoriza presumir a posse do estado de filho, a ensejar o reconhecimento da filiação socioafetiva, o que impede a alteração do vínculo jurídico que retrata essa realidade fática, observado o princípio do superior interesse da criança.
(…)
De forma inusitada, portanto, após a ciência dos exames de DNA, tanto o pai biológico como o registral anuíram quanto à inserção de seus respectivos nomes, em conjunto, na certidão de nascimento de R., sem qualquer insurgência da genitora.
Assim, além da identificação da verdade biológica, tem-se, no presente feito, o reconhecimento voluntário do pai biológico sobre a existência de vínculo afetivo entre o pai registral e R.. Nesse contexto, não há como não reconhecer judicialmente a paternidade daquele que foi pai sem obrigação legal de sê-lo; sendo compelido pelo mais nobre dos sentimentos - o amor -, a guardar, a educar e a sustentar um filho, como se seu fosse.
Diante da anuência, tanto do pai biológico como do registral, quanto à inserção conjunta de seus respectivos nomes na certidão de nascimento de R., sem qualquer insurgência da genitora, cumpre ao Estado chancelar tal vontade, reconhecendo a filiação biológica e a afetiva estabelecida entre o menor, o pai biológico e o pai registral, eis que ambas se apresentam fulcrada em laços legítimos de afeto, revelando-se benéfica ao infante à medida em que amplia seus direitos (direitos inerentes ao poder familiar, impedimentos matrimoniais, alimentos, sucessão, previdenciário, inelegibilidade para cargos políticos, etc).
Impõe-se, pois, a declaração da multiparentalidade, permitindo que, sob a proteção Estatal, coexistam a parentalidade biológica e a socioafetiva, à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, do melhor interesse da criança, da afetividade e da solidariedade.”