A debilitação da autoridade paterna coincide com um sentimento de orfandade da sociedade contemporânea. Parece que, desaparecidos os parâmetros que os pais costumavam adotar e impor à prole, esta se sentiu desarvorada. Já não tem a quem recorrer. Depois disso, o desmanche do “castelo de cartas”. Junto com a autoridade dos pais desaparece a autoridade dos mestres e até mesmo da Igreja.
Todos hoje escolhem os seus valores à “la carte”. Adoto aquilo que me convém. Não me submeto a imposições. “Eu sei o que me serve” e “Eu acho” são expressões usuais no discurso.
Tal constatação pode oferecer uma outra explicação para a crise da Justiça. O “boom” do Judiciário, com seus quase cem milhões de processos em curso não seria uma resposta para essa crise de autoridade? Já que ninguém tem o respeito e o prestígio necessários para solucionar questões que afligem todos os humanos, vamos então recorrer à Justiça.
Uma sociedade órfã procura na Justiça o seu superego. O Judiciário supre a ausência de autoridade e oferece a resposta desejada. Mas há outra vertente. Esse acúmulo de demandas também significa a vocação colonial do brasileiro. Os padrões da metrópole eram os ideais. O sonho do tupiniquim tinha cores lusas. A Europa era o paradigma da excelência. Por isso a moda incompatível com o verão tropical foi transplantada e seguida à risca pelo primitivismo da colônia.
Essa vocação prossegue em vários setores. Continuamos a exportar commodities. Açúcar e álcool, carne, soja. Minério in natura que depois volta superacrescido de valia quando manufaturado. E a Justiça desempenha um papel simbólico civilizatório para o brasileiro. Até de forma inconsciente. Entrar na Justiça é uma tentativa às avessas de penetrar no processo civilizado.
Por isso é que a intenção de pacificar mediante incentivo à maturidade, oferecer o diálogo em vez do processo, fazer com que as pessoas se sentem à mesa da discussão e assumam um protagonismo que não têm no Judiciário, enfrentam tanta resistência. Em vez de ser “sujeito”, assumindo responsabilidades e exercendo um contraditório que significa “situar-se no lugar do outro”, o homem prefere ser “objeto”. Sobre esse objeto recai a decisão heterônoma, sem participação do interessado.
Quando é que a sociedade evoluirá para saber resolver grande parte de seus problemas sem se socorrer da onipotência e da magnanimidade estatal?
* JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013.
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